quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Missão de alegria
Jovens aproveitam as férias para saírem em missão e ajudar crianças carentes



fotos e texto: Fábio Bito Caraciolo


"Aqui a gente não tem uma praça, uma quadra, não tem lugar nenhum pra brincar”. A observação feita por Wanilson, 6 anos, retrata a situação do Loteamento Esperança, bairro da periferia da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Mas, neste fim de ano, cerca de 150 crianças da comunidade receberam um presente: um grupo de jovens missionários viajaram para montar uma brinquedoteca e uma fábrica de brinquedos na paradisíaca Natal.


Localizada próximo às praias da Redinha e Jenipabu, as mais famosas do litoral norte da capital potiguar, a comunidade é formada por moradores vindos da zona rural à procura de emprego, que chegaram há 15 anos.

Hoje, mais de 10 mil pessoas vivem no local com infra-estrutura precária. Há apenas um posto de saúde, instalado num imóvel alugado. Dois médicos prestam atendimento à população por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). E no quesito educação e lazer, a situação também não é das melhores. Não há escola pública nem praças ou áreas de lazer que possam ser utilizadas pelas crianças.


Foi esse cenário que fez a mineira Raquel Menezes, 14 anos, se deslocar de Belo Horizonte a Natal. “Tia Raquel”, como passou a ser chamada pelas crianças, aproveitou parte de suas férias para ser missionária. “Lógico que ir para a praia é muito bom, mas em missão a gente se sente útil”, pondera.

- A mineira Raquel, 14 anos, participa da missão em Natal - RN

Apesar de não ser uma prática comum, diversos jovens aproveitam seu tempo de férias para se engajarem em ações como essa. “No dia-a-dia estamos acostumados com uma rotina e esquecemos de detalhes como se divertir, brincar. Aprendi que há outras maneiras de brincar que não seja apenas ficar na frente da televisão. Melhor ainda é poder ajudar quem precisa”, conta Raquel.

“Meus dois filhos só falam coisas boas sobre a brinquedoteca. Adoram os jogos, as brincadeiras e as músicas. Lá em casa está uma festa. Acho que a experiência é maravilhosa por que, principalmente nas férias, as crianças não ficam mais na rua”, conta Marisa Barbosa do Nascimento, mãe de William Cristian, 9, e Wendel Dahny, 10.



- O piaiuense Daniel ensina regras do jogo criado pela própria comunidade

Para o estudante de Direito, Daniel Nogueira Passos, 23 anos, de Teresina, no Piauí, é mais fácil fazer um trabalho social longe de casa. “Não sei explicar porque, mas quando estou em Teresina não consigo participar de atividades com pessoas carentes. Minha motivação está no movimento de sair de casa, de viajar”, disse Daniel, que participou em 2004 de uma missão semelhante, na Ilha de Marajó, no Pará.

Dos 14 missionários que estiveram em Natal, pelo menos a metade tem menos de 25 anos e ainda estuda. “O mais importante é ver que não só são religiosos que se disponibilizam para participar de uma missão, mas também estudantes e jovens. Esta é uma prova de que é possível desenvolver um trabalho de responsabilidade social sendo uma pessoa normal”, avalia o jesuíta Marcos Vinícius Sacramento de Souza, 26 anos, que estuda Filosofia em Belo Horizonte.

Mudar o mundo – O tipo de interferência causado por uma missão como esta é sutil. Atinge somente a uma ínfima parte das crianças que são estatística. No Nordeste brasileiro, são 19,2 milhões de crianças e adolescentes (pouco mais de 40% da população), de acordo com o último Censo do IBGE.

Mas, para a baiana Vanessa Cunha Carmo, 19 anos, participar da missão “é querer mudar o mundo, de certa forma, mas é de maneira despretensiosa”. Para ela, que cursa Relações Internacionais na PUC-SP, tudo é uma conseqüência do serviço e da disponibilidade. “O que eu ganho são crianças contentes, e que me ensinam muito. Ganho também quando eu ensino, quando eu conto história. E assim está criada a corrente”, conta Vanessa (foto ao lado).

É realmente curioso ver pessoas de lugares e costumes tão diferentes trabalhando juntas, sobretudo sendo jovens. Nos intervalos das atividades, os missionários aproveitam para contar histórias de onde vivem, partilhar experiências de outras missões e planejar ações futuras. “A missão possibilita um ambiente intercultural, com pessoas de vários estados diferentes, de outros países também. Há uma vontade muito grande de se mudar um pouco a realidade da comunidade carente e ir multiplicando essa boa ação por todo o mundo”, conta Francisco Leandro Ferreira da Silva, 25 anos, que também é jesuíta e estuda Filosofia em Belo Horizonte.

A ação dos missionários não muda apenas a vida das crianças do local. As atividades na fábrica de brinquedos ficam sob a responsabilidade dos jovens e adultos da própria comunidade. Eles ganham as ferramentas, matéria-prima e também diversas instruções para produzirem seus próprios brinquedos, que podem ser vendidos para gerarem renda.

Em Natal, um dos destaques na fabricação de brinquedos foi o estudante Vandik Alves, 17 anos. “Aqui na oficina aprendi a usar as ferramentas e construir jogos. Ajudei na criação de vários brinquedos e o que mais gostei de fazer foi o xadrez”, conta Vandik, que aprendeu a jogar xadrez na própria comunidade e chegou a ganhar alguns torneios. “É muito prazeroso porque eu vou jogar e ensinar o jogo que eu mesmo fiz”.

Para o jesuíta Aldomarcio Margoto Dalbo, 25 anos, com o tempo os voluntários vão tomando consciência da importância da interação entre todos e percebem que eles podem se tornar os protagonistas do trabalho. “Trabalhar com eles, ensinar e aprender é uma coisa que me encanta muito, assim como me encanta a idéia de construir brinquedos”, conta Aldo. “Eu não tenho palavras para descrever o que sinto quando vejo as crianças e os próprios jovens da comunidade brincando com um jogo que acabamos de construir. O olhar impressionado deles quando percebem que são capazes de produzir coisas tão legais é maravilhoso”, completa.



As crianças aproveitam os jogos feitos na hora e não demoram para entender as regras, explicar para os colegas e espalhar a novidade. De carrinhos e aviões até jogos de tabuleiro e educativos, a fábrica de brinquedos dá vida ao projeto missionário e pretende garantir a continuidade dos trabalhos. “Não vamos para um lugar desses com a pretensão de solucionar todos os problemas. Também não podemos tornar a comunidade dependente de ações como essa. Por isso é preciso deixá-los bem preparados para fazerem isso sozinhos”, explica o padre Roberto Ribeiro Mesquita, 33 anos, líder da missão em Natal.

--> SERVIÇO: O grupo missionário BrinquedOPA, que organiza diversas missões durante todo o ano em parceria com a Fundação Fé e Alegria, Associação Grupo OPA e Companhia de Jesus, recebe doações de brinquedos, ferramentas, material de construção e em dinheiro para levar para as comunidades. Atualmente existem três brinquedotecas funcionando, duas na região Nordeste, em Natal-RN e Vazantes-CE, e uma na região Norte, em Jenipapo-PA. Para maiores informações, contato por e-mail brinquedopa@gmail.com

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