sábado, 22 de março de 2003

Ela acabara de conhecer aquele homem jovem, de olhar diferente. Ela se encantou com aquele olhar profundo, conhecedor do mundo, seguro de si. Era estranho conversar com ele. Tudo que falava parecia tão certo que as frases não tinham respostas. Bastavam-se por elas próprias. Quando se calava, seus olhos vidrados e suspensos passavam a sensação de já saber de tudo aquilo e de que aquelas idéias eram todas simples e inúteis demais.



A verdade é que sabia de tudo um pouco mesmo. Tinha uma memória aguçada e uma imaginação prodigiosa. Era curioso. Não tinha a intenção de parecer daquele jeito, mas era inevitável.



Uma pessoa tão sapiente, tão entendida, passava de interessante a insuportável depois de dois dias de conversas. Ela se desencantou com a mesma ligeireza com que havia se interessado por ele.



Ele não entendeu, de fato, o sumiço repentino da moça, mas manteve a aura tão tranqüila que parecia ter entendido. Isso despertou uma raiva naquela menina que de desinteressada passou a inimiga mortal porque pensou que era despeito do rapaz. Ela rezou para que ele morresse engolindo tanta sabedoria sem saber que não existia sabedoria e que ele fatalmente morreria por engoli-la.



Não imaginava ela que o fim estava tão próximo.



Numa noite, passeando pela calçada de uma avenida tranqüila do centro, viu dois homens encostados num muro. Não se abateu, olhou para frente e passou por eles deixando na atmosfera o seu ar sábio que contaminou os pensamentos dos dois. Assustados, assim que o rapaz passou deram-lhe dois tiros na cabeça e correram como se fugissem da verdade que escondiam.



A morte foi rápida e os olhos arregalados impressionavam os curiosos que passavam. Acreditavam que aquela profundidade não era apenas o resultado da visão da face da morte, mas também do reconhecimento de que tudo aquilo era a coisa mais elementar do mundo.

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