domingo, 23 de fevereiro de 2003

Algumas coisas que acontecem na vida da gente são tão marcantes que ficam em nossa memória para sempre. Um por-do-sol, um beijo, um sonho... sempre acontece algo que se torna um tipo de marco na historia da pessoa. No meu caso, foi um Ovo.

Me lembro como se fosse hoje... tinha 10 ou 11 anos e tinha mania de pegar tudo e levar para o quarto. Sempre que minha mãe estava na cozinha eu levava de lá um paliteiro, uma colher ou um copo... qualquer coisa que eu pudesse ter como minha e acumular como meus tesouros na gaveta.

Certo dia, minha mãe fazia um bolo, cantarolando, e eu vim pela sala endiabrado e parei na porta da cozinha. Ela não me viu. De fininho, encostei na mesa e peguei a primeira coisa que estivesse ao meu alcance: um Ovo!

Sai correndo da cozinha para o quarto, exalando felicidade por ter pego tão valioso tesouro. Nada pode me segurar... os doces em cima da mesa nem meu cachorro atravessado no corredor...

Cheguei ao quarto e me joguei na cama. Me preparei para avaliar aquela iguaria para possíveis trocas com os outros piratas na escola.

Aquele Ovo era diferente. Definitivamente não era como os outros da geladeira, tinha cor... tinha valor...

Fiquei um tempão olhando para aquela coisa em minha mão, era fascinante... era perfeito... Tão homogêneo... tinha uma aparência tão forte.... era um pouco liso e áspero também... me apaixonei pelo ovo que virou o centro das atenções... das brincadeiras... de todas as brincadeiras...

Naquela mesma tarde, durante uma brincadeira, me distraí. Algo na TV me chamou a atenção, um programa que sempre gostei e larguei um pouco o Ovo...

Quando sentei na cama, o Ovo que eu havia colocado sobre o travesseiro rolou em direção ao solo. Me virei rapidamente para salvar meu tesouro e o agarrei antes da queda mas me desequilibrei. Bati as mãos que envolviam o Ovo na parede.

A casca do Ovo se partiu em duas e uma coisa nojenta escorreu pelas minhas mãos. Era algo tipo uma gelatina que foi tomando conta dos meus punhos e caindo no chãos, sujando meu quarto.

Senti uma coisa que nunca havia experimentado: o desgosto! Era maior do que o arrependimento. Ver aquilo que tanto adorei me fazer me sentir mal me decepcionou e o pior é que ele não sujava só a mim... melou também o meu quarto... minhas roupas...

Comecei a me limpar ali mesmo. Passava uma mão na outra e cada vez que fazia esse gesto sujava ainda mais meu quarto. Quando retirei quase toda aquela gosma de minhas mãos, olhei para o chão que estava coberto por tudo aquilo e tinha a casca jogada por ali...

Recolhi as duas partes e olhei-as por dentro. Achei estranho aquela estrutura oca. Tinha me parecido tão forte, tão densa... joguei-as de volta ao chão e fui direto para o banho...

Esfreguei o sabonete com gosto até minha pele voltar a ficar limpa, sem residos do Ovo, que me decepcionou. Foi inútil... por mais que eu lavasse aquele cheiro incomodo não saia de mim... tive que passar um tempo com ele e aprender a conviver com isso... Foi quase um dia com a lembrança daquela coisa asquerosa em mim até tudo se esvair por completo.

Ainda, antes de me livrar totalmente dos meus problemas internos, precisei da ajuda de minha mãe para limpar o quarto fazendo uma limpeza geral sem deixar um ponto de sujeira sequer...

Guardei um pedaço da casca durante algum tempo... olhava para ela e tentava arranjar um jeito de preenche-la... mas acabei jogando fora e esquecendo de sua existência...

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