quarta-feira, 27 de novembro de 2002

Antes de dormir: duas coisas



Estou pensando sériamente em abandonar a minha vida de gente e me tornar um vegetal. Não que eu esteja desgostoso da vida, longe disso! Estou bem, estou feliz! Mas "ser humano" implica em conviver com "seres humanos" que, por sua vez, em sua maioria, não têm nada de humano. É gente estúpida, gente má (pior que a bruxa da Branca de Neve)... Ontem e terça algumas dessas pessoas (pessoas?!) tentaram se mostrar mais gente do que realmente são. Contrariando as leis da Biologia, acho que existem sim amebas pluricelulares...



a outra coisa



Escrevi esse trem que vai aparecer logo abaixo no texto... tá legal!



O barco balançava ao desejo das ondas e todos eram jogados de lado a outro enquanto tentavam segurar algo para não cair. Agarravam-se nos remos, no teto, nos pensamentos, em Deus... Era um vai e vem insuportável. As pessoas gritavam, enjoavam. Mortas de frio, mortas de sono e sem descanso com a chuva que não parava desde a noite anterior. Estavam também mortas de raiva. No meio da confusão uma moça parecia alheia a aquilo tudo.Todos lembravam de como havia entrado no barco aquela figura. Todos estranhavam - invejavam - a sua indiferença ao temporal.

Havia entrado calada, pensativa como sempre. Tinha o olhar distante como se procurasse por alguma coisa. Sentou-se no primeiro lugar vago, colocou seu estojo que guardava o que parecia ser um violino, mirou o horizonte e assim permanecera até aquela hora em que a olhavam com raiva.

Ela não se esforçava nem para proteger seu instrumento das águas salgadas que as ondas lançavam sobre todos. Parecia hipnotizada pelo horizonte luminoso do seu destino.

Os mais antigos da ilha, que estavam no barco, não a conheciam e nem sabiam sua origem. "Deve ser estrangeira", diziam. "Estrangeira eu não sei, mas estranha, certamente!", completavam os gozadores quando o balanço do mar os permitia.

Ela ouvia - com certeza ouvia! Assim como guardava todas as expressões silenciosas daquelas pessoas. Ouvia tudo e era essa sua dor.

Nunca a deixavam em paz, por onde quer que tivesse passado. Saia como nômade, de vila em via fugindo das duras palavras que muitas vezes nem lhes eram ditas diretamente. Aquela viagem, que começara ha poucas horas, já estava se tornando como as outras tantas... insuportável.

Muito de sua apatia vinha disso. Odiava tanto ser invejada por estar alheia que se fechava e se tornava tão impenetrável que nada a abatia.

Com o tempo, as ondas ficaram maiores e a água inundava o salão de passageiros impedido-os até de pensar. Para ela, parecia que era um belo dia de sol e que estava na praia.

Os gritos e quedas ficaram mais constantes e ela deixou de ouvir e de sentir tantas caras emburradas por sua causa. Foi, aos poucos, tirando os olhos do horizonte e os colocando no mar. Como numa tarde de verão, entrou na água fria e se deixou banhar enquanto o barco seguia repleto de invejosos perplexos e reclamões, que não acreditavam naquela loucura.

Voltou a olhar o horizonte apenas quando as ondas permitiam. O frio a fez paralisar logo e serena como sempre afundou para nunca mais ser vista embora tenha ficado famosa por sua atitude e eternamente invejada por sua solitária e trágica passividade.

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